Gratidão: substantivo feminino; qualidade de quem é grato, reconhecimento por auxílio ou benefício recebido. Pois bem, esta é a definição da palavra “gratidão” segundo o dicionário Houaiss e se tem um goleiro que sentiu o poder desta palavra na carreira, sem dúvida nenhuma, este goleiro foi a muralha escolhida de hoje: Jerzy Dudek, ou simplesmente Dudek, um goleiro polonês nascido na cidade de Rybnik, em 23 de março de 1973. Dudek significa “poupa” em português, é o nome de uma ave característica do mundo oriental, principalmente na Europa e na Ásia.
Nós percebemos como a posição de goleiro é ingrata quando muitos, inclusive profissionais, não começaram sendo goleiros, exemplos como lendas já abordadas aqui no quadro, como Carlos Roa e Ricardo, que começaram como atacantes, e até no próprio projeto do Goleiro de Aluguel: eu, Bruno Costa, sou um exemplo de quem começou de ala esquerdo e acabou rumando ao gol, assim como o próprio criador do projeto, Samuel Toaldo, relata que só queria saber de jogar na linha, mas por pedido do pai (até exigência podemos dizer), o nosso chefe acabou rumando para o gol. Com Dudek não foi diferente, ele começou na base do Górnik Knurów como lateral-esquerdo e chegou a atuar em doze ocasiões oficiais na posição, entretanto, com o tempo, Dudek virou goleiro; ele nasceu em Rybnik, mas mudou-se ainda bem novo para a cidade de Knurów, aonde iria começar a carreira.
Dudek atuou por dez anos no Górnik Knurów (time que com o tempo e Dudek ainda por lá, mudou-se de nome para Concordia Knurów) atuando de 1985 até 1995. Dos anos de 1985 até 1991, Dudek atuara na base do time polonês, fora então em 1991 promovido a equipe principal: o time do Concordia Knurów disputava na época a terceira divisão e Dudek viria a estrear profissionalmente em 10 de Abril de 1992 contra o Carbo Gliwice. Pelo Concordia chegou a ficar 416 minutos seguidos sem tomar um gol sequer.
Apesar de todos estes anos no Concordia Knurów e do recorde ao ficar mais de 400 minutos seguidos sem sofrer gol, Dudek nunca conseguiu promoção à segunda divisão da Ekstraklasa, chegou até perto do acesso, mas sempre jogou a terceira divisão pelo Concordia. Ao final de 1995, as boas atuações de Dudek despertaram horizontes mais longos e o mesmo viria a se transferir para o GKS Tychy, time da primeira divisão polonesa. Por lá, Dudek não teria muita história para contar, afinal estreara na primeira divisão da Ekstraklasa em 16 de Março de 1996 em uma partida contra o Legia Warszawa (fora de casa e uma derrota por 2×0) e após meio ano no GKS Tychy, com boas atuações no clube, logo saiu da Polônia e rumou para o tradicional Feyenoord da Holanda, na metade do ano de 1996. Neste curto período no GKS Tychy, Dudek chegou a ser convocado para a seleção polonesa, mas em todas as ocasiões ficou no banco, jogar mesmo uma partida debaixo das traves pela seleção polonesa como titular só viria a acontecer em 1998, quando Dudek já havia saído do GKS Tychy e estava no Feyenoord.
Dudek então passaria um ano na reserva do Feyenoord (uma temporada para ser bem exato), sendo a segunda opção no gol do elenco do time de Rotterdam, afinal o titular absoluto do Feyenoord era nada mais nada menos que o goleiro holandês (e também lendário) De Goeij, goleiro titular da Holanda na Copa do Mundo de 1994 e reserva de Van Der Sar em 1998. Com a transferência de De Goeij em junho de 1997 para o Chelsea da Inglaterra, Dudek passou a possuir as titularidades do Feyenoord.
Na primeira temporada como titular do Feyenoord, Dudek jogou a UEFA Champions League (afinal, o Feyenoord se classificou a fase prévia do torneio após terminar em segundo na Eredivisie da temporada anterior), passando da fase classificatória após ganhar do FC Jazz Pori a ida por 6×2 e por 2×1 a volta. O Feyenoord fora eliminado logo na fase de grupos, após três vitórias e três derrotas, terminaram em terceiro lugar, atrás de Manchester United e Juventus. Nos campeonatos nacionais, o Feyenoord terminara em quarto lugar na Eredivisie e fora eliminado na KNVB Cup nas quartas-de-final, após uma sova de 4×0 do PSV Eidhoven.
Na temporada seguinte, o Feyenoord fora eliminado logo na primeira fase da UEFA Cup para os alemães do Stuttgart, após vencerem fora de casa por 3×1, conseguiram sofrer a reversão em casa por 3×0 e foram eliminados. Na KNVB Cup, um “quase”, conseguiram chegar na semifinal do torneio e caíram para os futuros campeões do Ajax, por 2×1. A glória para Dudek viria no outro campeonato nacional, a primeira divisão holandesa da Eredivisie, em que Dudek conquistara o primeiro título coletivo da carreira, se tornando campeão nacional com 15 pontos a frente do Willem II, o segundo colocado, e nesta mesma temporada de 1998/1999, Dudek foi eleito o melhor goleiro da competição. O Feyenoord se sairia campeão também da Johan Cruijff Shield (torneio disputado entre o campeão da Eredivisie e o campeão da KNVB), após vencer por 3×2 o Ajax.
A temporada seguinte traria mais glórias a Dudek individualmente, com o Feyenoord não teria tantos sucessos: na KNVB Cup seria eliminado precocemente nas oitavas-de-final para o Alkmaar Zaanstreek, na Eredivisie fariam uma bela campanha, mas iriam terminar em terceiro. No meio internacional, na UEFA Champions League iriam se classificar a segunda fase de grupos após terminar em segundo lugar no Grupo C, aonde se classificaram junto com o Rosenborg da Noruega em um grupo que continha Borussia Dortmund e o Boavista, após empatarem cinco jogos e vencer apenas um; seriam eliminados na fase seguinte, após terminarem em terceiro em um grupo com Chelsea, Lazio e Olympique Marseille, não se classificando para as fases eliminatórias. Entretanto, esta seria uma temporada sensacional para Dudek, que não bastava ter repetido o feito de ser eleito o melhor goleiro da temporada holandesa, ainda foi eleito o melhor jogador (algo muito difícil para um goleiro) da Eredivisie da temporada 1999/2000.
A jornada de 2000/2001 seria a última de Dudek no Feyenoord, em que terminaram a Eredivisie em segundo lugar, foram eliminados logo na primeira fase da UEFA Champions League para os austríacos do Sturm Graz e nas quartas-de-final da KNVB Cup. Entretanto, as boas atuações de Dudek pelo Feyenoord o fariam despertar em um gigante europeu na temporada 2001/2002, aonde Dudek transferiu-se para o Liverpool da Inglaterra.
A estreia de Dudek pelo Liverpool não foi das melhores, foi em uma derrota em casa por 3×1 para o Aston Villa, mas logo na primeira temporada pelo Liverpool, jogou 35 partidas na Premier League e sagrou-se vice campeão, sete pontos atrás do campeão, o Arsenal de David Seaman, já abordado aqui no quadro quatro edições atrás. Esta mesma temporada traria um marco na carreira de Dudek, afinal a Polônia se classificou para a Copa do Mundo de 2002, o primeiro torneio importante que a Polônia se qualificara durante anos, Dudek foi convocado e seria o goleiro titular da Polônia usando a camisa 1, mas não iriam longe, afinal caíram em um grupo com Portugal, Estados Unidos e uma das várias “surpresas” daquela Copa do Mundo, a Coréia do Sul (surpresa nada, esta seleção, que por sinal era sede da Copa, foi bastante ajudada pela arbitragem durante a Copa do Mundo inteira e só terminaram em quarto lugar – sendo eliminados nas semifinais – por ajuda do “apito amigo” contra Portugal, Espanha, Itália e a Alemanha, que os eliminaram com sorte e muita competência). Os poloneses perderam para os sul-coreanos por 2×0, depois sofreram uma derrota para Portugal por incríveis 4×0, mas se despediram da Copa do Mundo com uma vitória por 3×1 sobre os Estados Unidos, nada suficiente para classificar-se ao mata-mata e a Polônia terminou em último lugar do grupo.
O jogo contra os Estados Unidos foi o último da Polônia na Copa do Mundo, que já estava eliminada, e Dudek não jogou esta partida, o técnico decidiu que o segundo goleiro, Majdan, seria o titular naquela ocasião. Apesar de tudo nesta Copa do Mundo, Dudek foi nomeado para concorrer ao prêmio de melhor goleiro da UEFA, mas o vencedor foi Kahn.
Na temporada 2002/2003, em primeiro de dezembro de 2002, em uma partida em casa contra o Manchester United, Dudek não agarrou a bola e largou no pé de Diego Forlán, uma falha bastante grave que além de ter ajudado na derrota em casa por 2×1, custou-lhe a titularidade que passaria a ser de Kirkland durante alguns jogos. Dudek ganhou em março de 2003 a Worthington Cup (atual Capital One Cup) com o Liverpool, em cima do mesmo Manchester United por 2×0, e Dudek foi eleito o melhor jogador da partida, retomando a titularidade do Liverpool e a confiança da comissão técnica.
O que a temporada de 2003/2004 não teve nada de relevante e glorioso a Dudek, afinal o Liverpool não ganhara títulos nesta jornada, a temporada de 2004/2005 seria de grande glória para Dudek, e teriam que acreditar do início até o fim para fazer a história, em um daqueles jogos que poderíamos assistir todos os dias que não nos enjoaríamos de vê-lo.
O Liverpool terminou em quarto lugar na Premier League de 2003/2004, com isto garantiu uma vaga nos play-offs da fase de grupos da UEFA Champions League, conseguiu a vaga após ganharem dos austríacos do Grazer, vencendo fora por 2×0 e perdendo em casa por 1×0, passando no placar agregado. Com isto, o Liverpool caiu no Grupo A do torneio, que continha o francês AS Monaco, o grego Olympiakos e o espanhol Deportivo La Coruña; o Liverpool se classificou em segundo lugar no grupo, após três vitórias, um empate e duas derrotas, ganhando do Olympiakos no saldo de gols e se classificando às oitavas-de-final.
Na fase de mata-mata, o Liverpool passou fácil pelas oitavas-de-final contra o Bayer Leverkusen, após ganhar os jogos de ida e volta por 3×1. Nas quartas-de-final, a italiana Juventus seria eliminada pelo Liverpool após os reds vencerem em casa o primeiro jogo por 2×1 e aguentar um empate sem gols na volta. As semifinais seriam contra os conterrâneos do Chelsea, após empatar sem gols a ida fora, o Liverpool disputaria a grande final da UEFA Champions League em Istambul após vencer pelo placar mínimo em casa, e nesta final acontecera o inacreditável.
Primeiro tempo de jogo, o time do Liverpool entrou totalmente desligado em campo, no primeiro tempo o goleiro do Milan (e também lendário), Dida, nem sujou as luvas. O fato do Liverpool estar totalmente desligado resultou em ver o time tomar um gol aos 50 segundos de jogo e terminar o primeiro tempo perdendo por 3×0, era possível ver torcedores do Liverpool desacreditados e muitos indo embora do estádio, mas era possível uma reação e virada do Liverpool? Seria possível vermos um feito semelhante ao que o Vasco da Gama fez sobre o Palmeiras na final da Copa Mercosul de 2000? Pois bem…
Qual a conversa que os jogadores dos reds tiveram com Rafael Benítez no vestiário durante o intervalo do jogo? Nunca saberemos, só sabemos que funcionou, afinal o Liverpool estava de volta ao jogo logo ao início do segundo tempo, afinal conseguiram fazer três gols em apenas seis minutos e logo aos 15 minutos da segunda etapa, a partida estava empatada em 3×3. O jogo seguiu, o Milan criou novas chances principalmente com Shevchenko, mas Dudek catou tudo; seguiu assim na prorrogação, terminou empatado e foi aos pênaltis, aonde Dudek iria brilhar com a “dancinha” antes das penalidades, que ajudava a distrair os atacantes, e também com as defesas: Serginho isolara a primeira cobrança e Dudek defendeu as cobranças dos lendários Pirlo e Shevchenko, defesas que garantiram o quinto título da UEFA Champions League ao Liverpool em um jogo histórico. A “dancinha” antes das penalidades rendeu até uma dança da torcida do Liverpool chamada “Du the Dudek”, em homenagem a técnica do polonês para defender pênaltis.
Dudek foi novamente nomeado para o prêmio de melhor goleiro da UEFA, mas mais uma vez, saiu derrotado, desta vez perdeu para o tcheco (e também lendário, ainda na ativa) Petr Cech. Em Julho de 2005, Dudek viria a se lesionar gravemente no ombro durante os treinos no Liverpool, isto fez com que Rafael Benítez corresse atrás de outro goleiro, trazendo o espanhol Pepe Reina, que estava no Villareal, para debaixo das traves do Liverpool; com isto, mesmo recuperado posteriormente da lesão, Dudek acabou ficando na reserva dos reds.
Esta lesão atrapalhou em muito o momento de Dudek, que perdeu a titularidade do Liverpool, foi reserva no Mundial Interclubes ao final de 2005 (o Liverpool foi vice, perdeu para o São Paulo por 1×0 na final) e seguiu na reserva do Liverpool com o tempo, aonde Dudek viria a ganhar a Recopa Europeia de 2005, a FA Cup 2005/2006 e também a Copa dos Campeões da Inglaterra esquentando o banco. Não bastasse isto, com a situação de reserva, o treinador da Polônia na Copa do Mundo de 2006, Pawel Janas, decidiu que além da titularidade passar para Boruc, Dudek não seria convocado para o mundial na Alemanha, decisão esta que não foi aceita pela torcida polonesa.
Pawel Janas recebeu duras críticas por deixar Dudek fora da Copa do Mundo de 2006 e tal fato ficou bem visível em um amistoso antes da Copa entre Polônia e Colômbia, esta partida aconteceu no Slasky Stadium, na cidade polonesa de Chorzow e terminou 2×1 para os colombianos: a Colômbia terminou o primeiro tempo ganhando por 1×0 e o goleiro Boruc (que fora o titular polonês na Copa) foi substituído e o segundo tempo seria jogado pelo goleiro reserva Kuszczak. Aos 20 minutos do segundo tempo, o goleiro colombiano Martinez foi repor a bola em jogo, acabou que ele acertou o gol de Kuszczak e encobriu o goleiro polonês em um gol bizarro, ampliando o placar. Após este lance, foi possível escutar a revoltada torcida polonesa gritar o nome de Dudek.
Depois de virar reserva no Liverpool e atuar em poucos jogos a partir de então, Dudek não renovou contrato com os reds e acabou rumando ao Real Madrid em 2007, aonde ele seria o reserva de Casillas e assim foi até 2011, quando encerrou a carreira. Dudek em quatro anos de Real Madrid atuou por apenas doze partidas, por lá, mesmo na reserva (Dudek era o “reserva de confiança” e tinha o carinho e respeito do clube e dos torcedores), ainda se sairia campeão da La Liga de 2007/2008, da Supercopa da Espanha na mesma temporada e também de uma Copa Del Rey em 2011. A despedida de Dudek foi em 21 de Maio de 2011, na vitória do Real Madrid por 8×1 sobre o Almería, ele fora substituído aos 32 do segundo tempo, aonde ele saiu com aplausos dos fãs e cumprimentos dos companheiros de equipe que formaram uma fila dupla para o recepcionar, Dudek recebeu do diretor esportivo e do presidente do Real Madrid uma estátua com a descrição “Jerzy Dudek: Real Madrid 2007-2011” além de uma camiseta assinada pelos jogadores e comissão técnica.
Enquanto o Liverpool mostrou certa ingratidão a Dudek pelo o que ele representou ao clube e basicamente o “jogou para escanteio” depois de uma lesão, podemos ver uma gratidão vindo por parte da seleção polonesa, porque Dudek encerrou a carreira com 59 jogos pela seleção da Polônia, mas recebeu em 2013 um convite da Federação Polonesa de Futebol para jogar uma partida de despedida e, de quebra, completar 60 jogos com a seleção: o jogo foi um amistoso contra a seleção do Liechtenstein, em que Dudek jogou com a camisa número 60 e apenas 34 minutos, quando foi substituído por Boruc. Neste jogo, Dudek entrou no quadro de honra da seleção polonesa, além de ter se tornado o jogador mais velho a disputar uma partida com a Polônia, com 40 anos e 73 dias (detalhe: Dudek estava sem atuar desde a aposentadoria no Real Madrid, ou seja, pouco mais de dois anos. A partida terminou 2×0 para os poloneses).
E esta foi a oitava edição do Muralhas Lendárias aqui no Goleiro de Aluguel! Hoje o quadro abordou a carreira de um goleiro polonês, a (in)grata carreira de Jerzy Dudek que fez nome no Liverpool, mas “morreu” na reserva dos reds e posteriormente do Real Madrid, apesar disto nunca deixou de ser um bom goleiro durante a carreira. Sexta-feira que vem, o quadro inaugura o mês de Maio no dia 06 abordando a carreira de mais um goleiro lendário, não se esqueça de acompanhar o blog, o projeto e o quadro. Até semana que vem!