Depressão, um distúrbio mental que causa tristeza e baixa autoestima na pessoa que a sofre, sendo indispensável o tratamento médico desde o diagnóstico desta síndrome; muito do desenvolvimento desta síndrome são fatores psicológicos e sociais próprios da pessoa, que não são a causa para depressão, e sim consequência. O artigo de hoje vai ser o primeiro na história do “Muralhas Lendárias” sobre um goleiro que já nos deixou, de um goleiro alemão que sofria com depressão e acabou cometendo suicídio, estamos falando de Robert Enke.
Robert Enke, ou simplesmente Enke, nasceu em 24 de agosto de 1977 na cidade de Jena, com a Alemanha ainda dividida; Robert Enke nasceu no antigo lado socialista da Alemanha, na Alemanha Oriental. Enke era o mais novo de três irmãos, cresceu na cidade aonde nasceu e começou a jogar futebol desde cedo: Enke, assim como tantos outros goleiros já abordados aqui no quadro (como Dudek, Ricardo e Roa) não começou a carreira como goleiro, e sim como jogador de linha, no caso dele, atacante, Enke queria ser o pesadelo dos goleiros, mal sabia ele então que seria o pesadelo de muitos atacantes. Com o tempo, Enke passou a jogar no gol, mostrando muito talento desde cedo.
O primeiro time em que Enke treinou foi o BSG Jenapharm, começando lá em 1985, com oito anos. Em 1986, Enke iria para o tradicional clube da cidade natal, o Carl Zeiss Jena, após ele ter realizado uma grande partida contra esta equipe atuando pelo Jenapharm. Por lá, Enke realizaria toda a carreira juvenil e se profissionalizou em 1995, com 18 anos em um clube de uma Alemanha já reunificada. Mas antes de se profissionalizar, Enke, em 1993, chegou a jogar como goleiro titular da seleção sub-15 da Alemanha, em uma partida amistosa no Wembley contra a seleção sub-15 da Inglaterra, que terminou empatada sem gols; por sinal, Enke fora muito elogiado por ter realizado grandes defesas nesta partida.
Quer saber mais sobre um goleiro que jogou Copa do Mundo em uma Alemanha dividida e outra vez em uma Alemanha reunificada? Conheça toda a carreira de Illgner clicando aqui.
O primeiro contrato profissional de Enke foi com o Carl Zeiss Jena para a temporada 1995/1996. Após o então goleiro titular, Mario Neumann, ter sofrido catorze gols em apenas três jogos, sendo considerado o principal culpado por isto. A estreia de Enke no profissional foi, por mais curioso que isto seja, contra o Hannover 96, clube pelo qual mais faria carreira posteriormente. A estreia foi em 11 de novembro de 1995 em uma partida válida pela 15ª rodada da segunda divisão alemã (2. Bundesliga) em um jogo fora de casa que iria terminar empatado em um gol. Enke iria atuar pelas próximas duas rodadas da 2. Bundesliga com o Carl Zeiss Jena, sendo titular em uma vitória por 3×1 em casa sobre o VfB Lübeck e em uma derrota fora de casa para o VfB Leipzig por 2×0. Após estas partidas, Mario Neumann retomaria a titularidade do Carl Zeiss Jena e Enke não apareceria mais entre os titulares ao decorrer daquela temporada.
Sobre Mario Neumann ter sofrido catorze gols em apenas três jogos, realmente o sistema do Carl Zeiss Jena daquela temporada estava muito ruim e mais vazado que um queijo suíço. Apesar de terem terminados em sexto lugar nesta temporada dentre dezoito equipes, o Carl Zeiss Jena sofreu 54 gols em 34 jogos pela 2. Bundesliga 1995/1996, tendo a segunda pior defesa do campeonato, só não teve pior defesa que SG Wattenscheid 09, time que sofrera 57 gols e terminara em último lugar na competição.
Na temporada seguinte, Enke iria trocar de clube, iria rumar a um destino maior na carreira, ao tradicional Borussia Mönchengladbach. Por lá, Enke ficou nas duas primeiras temporadas jogando ligas de menor escalão com a equipe sub-23 do Mönchengladbach. A estreia de Enke no time profissional do Borussia Mönchengladbach só viria a acontecer às vésperas da temporada 1998/1999, quando o então goleiro titular do Mönchengladbach, Uwe Kamps, rompeu o tendão de aquiles e o técnico do time, Friedel Rausch, decidiu dar a Enke uma oportunidade para ele na titularidade. A estreia de Enke no Borussia Mönchengladbach e na primeira divisão alemã foi na primeira rodada da Bundesliga 1998/1999, em partida contra o Schalke 04, e uma vitória por 3×0. Apesar de ser o começo do campeonato, aquele foi o melhor resultado da rodada, consequentemente, o Mönchengladbach começou na liderança do Campeonato Alemão… Para ser rebaixado ao final daquela temporada, terminando em último lugar, com apenas quatro vitórias em 34 jogos e tiveram, de longe, a pior defesa do campeonato, sofrendo incríveis 79 gols (Enke chegou a sofrer 15 gols em apenas uma semana).
Apesar de tudo, Enke fez um bom trabalho, nunca lhe era atribuída a culpa pela fraca defesa, inclusive ele seria convocado para a Copa das Confederações de 1999 ao término daquela temporada, mas não jogou um jogo sequer, pois foi reserva do também lendário Jens Lehmann no torneio (a Alemanha seria eliminada logo na primeira fase em um grupo com Brasil, Nova Zelândia e Estados Unidos; o México de Jorge Campos seria a seleção campeã). Na temporada seguinte, Enke iria trocar de time, iria para o Benfica, de Portugal.
Por um dos principais times de Portugal, Enke continuaria a fazer grandes atuações. Na primeira temporada por lá, Enke já viria a se tornar o capitão da equipe portuguesa, treinada pelo também alemão Jupp Heynckes, que viria a tornar Enke o capitão da equipe. Nesta jornada, o Benfica iria terminar em terceiro lugar, atrás dos outros dois grandes, rivais e principais times de Portugal (Sporting, campeão, e o Futebol Clube do Porto, vice). Na Taça de Portugal, o Benfica iria cair logo nas oitavas-de-final, ao perder por 3×1 para o Sporting. O campeão da Taça de Portugal desta temporada seria o Porto de Vítor Baía. Na UEFA Cup (atual UEFA Europa League), o Benfica não iria passar das prévias, iria eliminar na primeira fase o Dinamo Bucareste (após perder a ida na Romênia por 1×0 e vencer em casa por 2×0); na segunda fase, após vencer a ida na Grécia por 2×1, o PAOK iria retribuir o placar na volta no Estádio da Luz (com dois gols de falta, sendo o segundo com certa falha de Enke), mas o Benfica iria vencer nos pênaltis por 4×1, sendo que Enke defendeu duas penalidades. Entretanto, na terceira fase, o Benfica seria eliminado pelo Celta de Vigo, após perder a ida na Espanha por incríveis 7×0 e empatar em um gol a volta.
O Benfica viveria a pior temporada da história na jornada 2000/2001. Começou com Jupp Heynckes ainda no comando até setembro de 2000, por dois meses depois o treinador seria José Mourinho (até então assistente, que mais tarde viria a se tornar um dos grandes treinadores do futebol mundial), então o Benfica seria comandado por Toni. O Benfica iria ser eliminado, mais uma vez, apenas nas oitavas-de-final da Taça de Portugal, após perder para os rivais portistas por 4×0, iriam ser eliminados na primeira fase da UEFA Cup, para o Halmstad da Suécia, após perder a ida fora de casa por 2×1 e empatar em casa em 2×2. Além de um marco negativo na história benfiquista, a pior posição da história das águias no campeonato português, terminaram apenas em sexto lugar.
O campeão da Primeira Liga nesta temporada portuguesa seria o Boavista, do goleiro Ricardo, um marco na história do torneio. Afinal, em 82 edições finalizadas até o momento deste artigo, em 80 vezes o campeão foi ou Benfica, ou Sporting ou Porto, sendo que apenas duas vezes o campeão não foi um destes times três times: a primeira vez foi com o Belenenses em 1945/1946 e a outra vez foi o Boavista na temporada 2000/2001.
Na temporada 2001/2002, o Benfica só viria a participar da Primeira Liga e viria a terminar em quarto lugar. Esta fora a última temporada de Enke com a camisa do Benfica que, apesar de não ter conseguido nenhum título em um dos principais clubes portugueses, Enke não deixou as boas atuações de lado e acabou despertando o interesse de vários clubes da Europa, como o Arsenal (que procurava alguém para vir substituir o também lendário David Seaman naquela altura) e o Atlético de Madri, entretanto, após as negociações com o time das águias não ter ido para frente, Enke reincidiu contrato com o Benfica e pode livremente trocar de clube, sendo que o time que viria o contratar nada mais era que outro gigante, o Barcelona: Enke assinou um contrato de três anos com os catalães.
Pelo Barcelona, a vida de Enke foi dura, pois ele fora reserva em todo o tempo, a segunda opção de outros lendários goleiros; primeiramente seria reserva de Roberto Bonano e depois de Victor Váldes. Em 2004, Enke chegou a ser emprestado pelo Barcelona ao Fenerbahçe, da Turquia, por lá atuou apenas um jogo, em uma derrota em casa por 3×0 para o Istanbulspor, em que os adeptos do Fenerbahçe chegaram a tacar objetos em Enke, culpando-o pela derrota, mesmo Enke não tendo falhado em nenhum gol. Com isto, Enke foi dispensado do Fenerbahçe depois daquela partida, não cumprindo o empréstimo que era pra ser inicialmente de um ano. Com isto, Enke iria retornar ao time catalão para mais uma vez ser emprestado, desta vez ao Club Deportivo Tenerife, em janeiro de 2004, time da Liga Adelante (segunda divisão espanhola) até o final daquela temporada.
No Tenerife, mesmo não conseguindo acesso para à elite nacional, Enke fez boas atuações e arrancou muitos elogios da crítica. Entretanto, fora nesta época que Enke começou a ter crises de depressão, temendo o fracasso na carreira após não ter tido êxito no Barcelona e no Fenerbahçe, isto quase o levou a desistir do futebol e procurar novos rumos. Apesar de, digamos, ter se “recuperado” no Tenerife, Enke acreditava que estava fadado a jogar em ligas de menor expressão.
Na temporada 2004/2005, Enke voltou à terra natal, a Alemanha, para jogar futebol, viria a jogar no Hannover 96. Na primeira temporada de volta a Bundesliga, Enke viria a terminar apenas em décimo lugar com a equipe do Hannover, porém, fez com que o time tivesse a terceira defesa menos vazada da competição.
Enke ficou com medo de fracassar na carreira e, conforme já relatado, ele sofreu com problemas de ordem psicológica e mais um grande baque iria o afetar: a morte da filha Lara. A filha de Enke nasceu com síndrome da hipoplasia do coração esquerdo, é um raro defeito no coração, caracterizado pela má formação do lado esquerdo do coração, em que 95% dos bebês morrem logo no primeiro mês de vida caso não haja tratamento. Lara estava a passar por tratamento e cirurgias, mas morreu em decorrência da síndrome, e isto foi um duro baque que agravou o quadro depressivo do goleiro. Com isto, Enke passou a ser tratado pelo psiquiatra Valentin Markser.
Em 2007, após muitas convocações no banco de reservas, Enke finalmente iria estrear pela seleção alemã principal como titular em um amistoso. Esta partida foi marcada por Joachim Löw promover cinco estreias na Alemanha, sendo Enke uma delas; a partida fora um amistoso contra seleção da Dinamarca e os alemães iriam perder por 1×0 para os dinamarqueses.
Pela seleção alemã, Enke chegou a ser convocado para a Eurocopa de 2008, mas não jogou nem um minuto sequer, pois, assim como na Copa das Confederações de 1999, Enke fora reserva de Lehmann. Com a aposentadoria de Lehmann da seleção da Alemanha (já com 38 anos), a vaga de titular das metas alemãs estava disponível para Enke, que participou de alguns jogos eliminatórios para a Copa do Mundo de 2010 e era o mais cotado para ser o titular da Alemanha na Copa da África do Sul, o mais cogitado para ser o camisa 1 alemão.
Porém, nesta mesma data de hoje, mas em sete anos atrás (10/11/2009, este artigo foi postado em 10/11/2016), Enke viria a cometer suicídio, aos 32 anos, ele estacionou o carro na frente de uma linha férrea e deixou-se ser atropelado por um trem que veio a uma velocidade de 160km/h. Enke deixou uma carta de despedida, se desculpando a todos que pudesse, dizendo que não acreditava que viesse a se livrar dos males depressivos, que tinha medo de medo de perder a confiança dos adeptos do Hannover e a guarda de Leila (filha adotiva de Enke com a esposa, Teresa Enke; eles haviam adotado Leila em maio de 2009, meses antes de Enke cometer suicídio, e na altura ela tinha apenas dois meses de vida), tudo isto segundo palavras da esposa de Enke.
Pessoas ligadas a Enke e esta carta comprovaram o suicídio. O psiquiatra que estava cuidando de Enke, Valentin Markser, disse que no dia que Enke marcou encontro com a própria morte, ele teria consulta, mas o próprio Enke ligou a Markser pedindo dispensa, pois estava se sentindo bem. Com isto, muitos fãs se reuniram ao entorno da AWD-Arena para prestar condolências, depositar flores e acender velas. Um minuto de silêncio fora realizado em todas as partidas na posterior rodada da Bundesliga, assim como no jogo seguinte do Benfica. A seleção alemã, em respeito à morte de Enke, cancelou um amistoso com a seleção chilena que seria realizado em 14 de novembro de 2009.
Enke foi enterrado no dia 15 de novembro, em uma homenagem que reuniu mais de 40 mil pessoas em Hannover, dentre eles estavam familiares, amigos, colegas, outros jogadores e torcedores. O caixão dele foi colocado no centro do campo do Hannover 96 ao meio de todas estas pessoas e após toda despedida completada, Enke foi enterrado em um cemitério de Hannover, próximo a filha Lara.
E esta foi a vigésima-quarta edição do “Muralhas Lendárias” aqui no Goleiro de Aluguel! Apesar de ter um final e uma temática bastante triste, este artigo serviu também como uma homenagem a Enke, pois era um grande goleiro e hoje talvez Neuer nem tivesse o nome que tem, caso Enke não tivesse tomado este fim para si, pois ele provavelmente seria o goleiro titular da seleção alemã na Copa do Mundo de 2010 e quem sabe não poderia ser em 2014 também? De qualquer forma e sem mais delongas, espero que vocês tenham gostado do artigo e semana que vem o quadro volta abordando a carreira de mais um lendário goleiro. Até lá!
BENFICA 1(4)x(2)2 PAOK (UEFA CUP 1999/2000):
GRANDES DEFESAS DE ENKE:
FUNERAL E TRIBUTO A ROBERT ENKE: